sexta-feira, 30 de outubro de 2009

TESE DA ABRAGAY/RJ

Proposta de Tese para a 1ª CONECOM/RJ
Proponente: Eduardo Peret – Associação Brasileira de Gays – Coordenação RJ

Área – Cidadania: Direitos e Deveres

Tese: Sobre os ‘critérios morais’ de base religiosa, em nossa opinião equivocadamente aplicados à publicidade que se refere à prevenção de DST/AIDS (Obs.: essa tese se refere aos três níveis: municipal, estadual e nacional)

Apesar de termos cada vez mais avanços tecnológicos, na área social ainda vivemos no obscurantismo. Quando a publicidade e propaganda se referem a temas importantes que são ligados direta ou indiretamente ao relacionamento afetivo-sexual – em especial à diversidade sexual e identidade de gênero – as iniciativas são tímidas e enfrentam pressões por parte de grupos de base religiosa. Quando surge um bom anúncio, seja pelo teor impactante, pela clareza da mensagem ou pela naturalidade com que lida com a diversidade, ele sofre censura e é rapidamente tirado do ar.

A epidemia mundial de HIV é um fato, uma realidade que precisa ser enfrentada. Há cerca de uma década, havia campanhas bem idealizadas, com peças publicitárias voltadas em especial para o público masculino (independente da orientação sexual), alertando para a necessidade de se usar preservativos não só como forma de prevenir o contágio do HIV, mas também para evitar a gravidez e várias DST (doenças sexualmente transmissíveis). Entendia-se que o público masculino era o principal alvo de tais campanhas, tanto por razões práticas – desde aquela época o HIV tinha uma incidência comprovadamente maior entre os gays, bissexuais e HSH (homens que fazem sexo com homens) – quanto por razões culturais: seja por educação cristã ou simplesmente por idéias equivocadas e machistas, os homens se recusavam (e ainda se recusam) a usar o preservativo.

Hoje, infelizmente, parecemos ter regredido: não se vê quase mais publicidade a respeito; o Ministério da Saúde se vê de mãos atadas nessa empreitada, que ainda sofre críticas, questionamentos e argumentações equivocadas, cujo teor só aumenta o preconceito e a discriminação, tanto contra pessoas com HIV quanto contra pessoas LGBT.

É preciso mudar esse quadro com urgência. Nossos jovens, principalmente, precisam receber a informação de maneira rápida e honesta, sem pudores. Pesquisas mostram que os jovens não usam preservativo, talvez por não terem vivenciado os horrores dos primeiros anos da epidemia. É imperativo que as campanhas educativas de prevenção não sejam reféns de moralismo e conceitos culturais equivocados. Não se pode permitir que um tema importante da área de Saúde e de Direitos Humanos esteja à mercê de algo tão pouco substanciado e tão variável como é a opinião não científica de uma ou outra denominação religiosa.

A proposta é de que se garantam recursos e meios para a realização de campanhas de prevenção de DST/AIDS e educação para a cidadania, Direitos Humanos e diversidade sexual. E que as denominações religiosas não tenham ingerência sobre o uso desses recursos e meios. Que o governo reafirme seu compromisso, firmado na I Conferência Nacional de Políticas Públicas para LGBT, realizada em 2008, de fazer todo o possível para reduzir a epidemia de HIV e outras DST no Brasil – e que não se deixe influenciar pela pressão de grupos religiosos, que sempre se defendem com a tese da ‘livre expressão religiosa’, mas frequentemente interferem com a livre expressão de outras idéias, tanto religiosas quanto sócio-culturais. Que as Paradas do Orgulho e da Cidadania LGBT – que servem como imensas campanhas de prevenção, aproveitando o ambiente festivo – sejam oficializadas nos calendários municipais, estadual e nacional.

A Identidade de Gênero e a Diversidade Sexual são partes integrantes do indivíduo, não são “escolhas”. A religião, sim, é escolhida e pode mudar. O Estado Brasileiro é laico e não pode se submeter mais aos desmandos dessa ou daquela denominação religiosa. Liberdade de expressão não pode servir de justificativa para disseminação de preconceito, injustiça social e discriminação.

Proposta de Tese para a 1ª CONECOM/RJ
Proponente: Eduardo Peret – Associação Brasileira de Gays – Coordenação RJ

Área – Cidadania: Direitos e Deveres

Tese: Sobre o nivelamento e limitações da ‘liberdade de expressão religiosa’ nos meios de comunicação, com base na isonomia entre as diferentes religiões

Hoje, é comum vermos que determinados grupos religiosos, ao testemunharem alguma manifestação ou expressão cultural que vá contra seus princípios doutrinários, rapidamente se armam de supostos direitos de ‘liberdade de expressão religiosa’ e os usam para fomentar conceitos culturais ultrapassados, equivocados e até preconceituosos, em flagrante desrespeito à Constituição Federal e ao direito de cidadania de outras pessoas e grupos.

Sempre que se tenta coibir uma manifestação de caráter preconceituoso e discriminatório por parte de um grupo religioso, ele levanta a bandeira constitucional da livre expressão religiosa. Porém, esses mesmos grupos usam programas de rádio e TV, além de publicações impressas, para atacar outras religiões – principalmente as religiões de Matriz Africana e o Espiritismo de Kardec – ‘demonizando’ suas expressões doutrinárias com base em um suposto ‘sincretismo’ entre as entidades e espíritos que participam dessas filosofias e uma ‘horda’ de ‘espíritos iníquos’ descritos na Bíblia como ‘demônios’.

Além disso, esses grupos religiosos frequentemente lançam mão de sua ‘liberdade de expressão’ para atacar hábitos, conceitos e até identidades que por alguma razão sejam vistas como ‘imorais’ – especialmente questões relativas à diversidade sexual e identidade de gênero. É comum, inclusive, que tais programas e reportagens misturem conceitos e transmitam idéias totalmente erradas, como uma suposta associação entre a homossexualidade e a pedofilia, ou a argumentação de que uma lei que criminalize a homofobia estará forçosamente interferindo com a livre manifestação religiosa.

Em que pese a liberdade de expressão religiosa, ela é um direito fundamental e nacional, que é garantido a todas as formas de expressão – e não apenas a algumas, mesmo com todo o seu peso histórico e sua influência na nossa sociedade e cultura. É preciso determinar com clareza quais os limites da ‘liberdade de expressão’, nos termos da Constituição. A liberdade de expressão não pode ser usada como escudo ideológico e jurídico para proteger manifestações de preconceito, tal como não serve para defender o racismo, o preconceito contra pessoas com deficiência, a discriminação regional ou as teses neonazistas.

A proposta é de que se estabeleça um ‘nivelamento por baixo’; há inúmeras denominações religiosas que, por sua própria natureza e estrutura, não impõem o uso de símbolos religiosos em repartições públicas e afins; não lançam mão de tentativas de conversão em massa na mídia; não fazem propaganda de seus cultos na mídia; não interferem com a vida alheia usando carros de som para propagar suas mensagens; não ‘demonizam’ outras religiões em seus cultos; e não pregam que esse ou aquele indivíduo/grupo ‘precisa ser libertado’ de sua identidade de gênero e orientação sexual.

Se uma ou outra denominação religiosa quiser lançar mão de tais artifícios em âmbito local, dentro de suas dependências e para pessoas que voluntariamente se apresentarem a ela, será assegurado o direito à liberdade de expressão e manifestação religiosa; contudo, esta não deve interferir com a sociedade em larga escala, nem deve ser a mídia uma ‘arma’ a serviço de tais interferências.

Na prática, só um pequeno grupo de denominações religiosas usa tais artifícios, os quais podem (e devem) ser considerados inconstitucionais, na medida em que interferem com as liberdades individuais e coletivas e ainda atacam manifestações culturais legítimas – as quais, por sua vez, não são direcionadas de forma alguma a um enfrentamento; são as denominações religiosas que as perseguem. A legislação em vigor deve ser aprimorada para limitar tais atitudes e estabelecer a clara regulamentação dos conteúdos da mídia que lidam com conceitos subjetivos e que podem vir a influenciar negativamente a sociedade à guisa de ‘orientação moral’ de base religiosa. Se a maior parte das religiões não usa a mídia para se auto-promover (e, principalmente, atacar as liberdades alheias), esse limite deve ser estendido a todas.

Proposta de Tese para a 1ª CONECOM/RJ
Proponente: Eduardo Peret – Associação Brasileira de Gays – Coordenação RJ (com base em propostas da Associação encaminhadas à Conecom/MG)

Área – Cidadania: Direitos e Deveres

Tese: Pela promoção da cidadania LGBT nos meios de comunicação de massa

As concessões de rádio e televisão deveriam ser públicas, pois são meios de comunicação de massa, mas são manipuladas pelo Executivo e Legislativo, sem participação da Sociedade Civil Organizada, muito menos um “controle público”, o qual é um dos objetivos desta 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Desta forma, enquanto o governo caça a licença e/ou obstrui as transmissões de milhares de rádios comunitárias, emissoras de rádio e TV são beneplacidamente concedidas em todo território nacional a “representantes” de políticos, igrejas, especialmente Católicas e Evangélicas, e a grupos empresariais. E assim, junto aos jornais impressos, mantêm-se inabalados os oligopólios da comunicação de massa.

Esses jornais se prestam a pressionar altos representantes dos Três Poderes para que projetos sejam aprovados, dirigindo verbas milionárias à publicidade veiculada exatamente nesses meios de comunicação manipulados.

Foi lançado recentemente o livro “A batalha da mídia – governos progressistas e políticas de comunicação na América Latina e outros ensaios”, do Prof. Denis de Moraes, no qual ele demonstra que a mídia é a instituição com maior capacidade de forjar consensos, moldar opiniões e reproduzir subjetividades e formas de pensar e agir de pessoas, instituições e do próprio país. Enquanto outras instituições – família, escola, exército etc. – estão restritas a determinadas áreas, a mídia atravessa todas elas.

A mídia forjou estereótipos sobre a mulher e seu papel na sociedade. Aborda perifericamente a presença de profissionais negros qualificados, bem como o tratamento dado à cultura das comunidades afrodescendentes e as conquistas do povo quilombola. Sem falar das crianças, transformadas em públicos consumidores. Além disso, a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) é uma das suas maiores vítimas, marginalizadas, ignoradas e/ou perseguidas por práticas políticas, culturais ou religiosas. A maioria dos profissionais da mídia, por exemplo, ainda não sabe como tratar esse contingente, incorrendo em “deslizes” ofensivos. Acrescentem-se aí os fundamentalistas religiosos que detêm programas de rádio e TV, apresentadores de programas de entrevistas, humorísticos, shows, que usam palavreado e situações pejorativos e humilhantes para com a população homossexual.

Por várias razões (agressão física/psicológica, assassinato, demissão sem justa causa, exclusão nas escolas, expulsão de casa na adolescência etc.), faz-se necessária a aprovação urgente do PLC 122/06, Lei Federal que criminaliza a homofobia tanto à pessoa física quanto à jurídica e nos meios de comunicação. Com base nessas premissas, as propostas são:

I – Desenvolver nos Três Poderes políticas públicas focadas na utilização dos meios de comunicação de massa como promoção da cidadania LGBT.
II – Criar, nas Secretarias de Comunicação, portaria para garantir o reconhecimento do segmento LGBT para fins de divulgação de ações e promoção da Saúde, Educação, Cultura, Justiça, Assistência Social e trabalho dos Governos.
III – Prefeituras, Governos, Presidência da República, Judiciários e Ministério Público promoverem e fazerem veicular campanhas publicitárias de combate ao ódio e discriminação e propondo a valorização da população LGBT.
IV – Estimular, por meio de editais públicos, produções audiovisuais com temas relacionados à população LGBT, tal como já ocorre com a mulher e populações carentes, entre outras.
V – Democratização da comunicação e reativação dos Conselhos de Comunicação Social, tornando-os deliberativos e incluindo representação da comunidade LGBT.
VI – Reconhecer e divulgar como de utilidades públicas, nas campanhas publicitárias governamentais e/ou veículos de comunicação estatais, educativos ou públicos, as datas comemorativas da comunidade LGBT: 29 de Janeiro – Visibilidade das Travestis, 17 de maio – Luta contra a Homofobia, 28 de Junho – Dia Mundial do Orgulho LGBT e 29 de Agosto – Visibilidade Lésbica.
VII – Classificar como inadequados para menores de 18 anos os programas, filmes e noticiários de conteúdo homofóbico, machista e/ou racista.
VIII – Garantir em todos os veículos e meios de comunicação pública a inclusão na grade de programação assuntos voltados à valorização, respeito e promoção da cidadania de LGBT.
IX Criar, no Ministério da Justiça, comissão permanente em comunicação e orientação sexual e identidade de gênero, a fim de combater a homofobia.
X - Garantir a laicidade nos processos de outorgas de concessões públicas de rádio e TV.